Compreendendo a Ga-ga-gaguez

 

A gaguez é uma perturbação que afeta o ritmo do discurso, caracterizada pela presença de disfluências atípicas e involuntárias no mesmo. Estas difluências podem ser definidas como interrupções na fluência do discurso, que podem ocorrer de diversas formas e normalmente são acompanhadas de esforço e tensão muscular. 1 

Quando analisamos um discurso, podemos estar perante disfluências típicas e atípicas do discurso, onde as últimas apresentam uma maior probabilidade de serem produzidas por pessoas que gaguejam. 1 

Como disfluências típicas podemos ter: hesitações ou pausas, reformulações, interjeições, revisões e repetição de palavras polissilábicas (ex.: sabes sabes sabes). Quanto às disfluências atípicas as mesmas são caracterizadas por: repetição de palavras monossilábicas (ex.: eu-eu-eu), repetição de sílabas (ex.: ca-ca-ca-casa), repetição de sons (ex.: p-p-p-pato), prolongamentos (ex.: sssssumo) e bloqueios (ex.: b/…balão).1 

Contudo, a gaguez envolve mais do que os aspetos observáveis, podendo estar acompanhados de sentimentos negativos relacionados aos mesmos. Este aspeto poderá apresentar impacto negativo ao nível do sucesso académico, das relações, assim como da vida social e profissional das pessoas que gaguejam. Por esse motivo, é importante ter em conta os pensamentos e emoções, na avaliação e no planeamento da intervenção ao nível da gaguez​. 

Mundialmente, estima-se que a gaguez afeta cerca de 70 milhões de pessoas.3 Diversos estudos indicam que os sintomas e sinais de gaguez surgem em idade pré-escolar, entre os 2 e os 6 anos de idade. Passados 6 meses de duração, se os sintomas e sinais forem persistentes, deve-se solicitar o parecer de um profissional de saúde capacitado, especificamente, um terapeuta da fala para avaliar a manifestação da gaguez.4 Decorrente do impacto que possa apresentar nos diferentes contextos em que se encontra e considerando as especificidades da pessoa que gagueja, a atuação de um psicólogo pode ser essencial e indispensável, em determinada fase da vida do indivíduo em questão. 

Com o fim de obter um melhor entendimento sobre esta perturbação da fluência, cientistas estudaram o cérebro de pessoas com e sem gaguez, o que permitiu detetar a presença de diferenças subtis, no que diz respeito à estrutura e funcionalidade do cérebro, que por sua vez constituem um dos principais motivos que justificam as alterações auferidas na fluência, ou seja, no ritmo da fala. Em indivíduos que gaguejam, observaram diferenças nas conexões neuronais e na atividade de neurotransmissores como a dopamina, determinantes para a programação e o planeamento de atos motores como a fala. Apesar de estudos recentes comprovarem que o desenvolvimento neurológico assume um papel importante na origem da gaguez, realça-se que a genética também detém um papel significativo na sua manifestação. 

A gaguez tem sido explicada como o resultado da ineficácia aquando da transferência de informação (impulsos nervosos) para diferentes áreas do cérebro, concretamente o tálamo (responsável pela retransmissão de sinais sensoriais), os gânglios da base (indispensáveis para a coordenação de movimentos motores) e o córtex cerebral (que aciona a tríade entre a cognição e as componentes sensorial e motora). Em suma, do ponto de vista funcional, é defendido que pessoas que gaguejam apresentam alterações no circuito cerebral (especificamente córtico-basal e gânglios-tálamo-cortical, subjacentes à fala e à componente motora), como também indispensável para a integração auditiva, sendo esta última de natureza sensorial. A fala resulta de atos motores complexos, visto que depende da coordenação rápida e eficaz de circuitos neuronais e de músculos, assim, quando tal não se verifica, a fala não será produzida de forma suave, com ritmo adequado e sem interrupções involuntárias. 5 

Além do que foi supramencionado, destaca-se que o surgimento da gaguez é determinado pela ocorrência de principais fatores de risco, concretamente (i) predisposição genética, (ii) diferenças no funcionamento cerebral durante o ato de fala, (iii) ser do sexo masculino e a (iv) idade em que se observaram os primeiros sintomas (a partir dos 3 anos e 6 meses constitui um fator de maior risco). Não obstante, não se deve descurar de aspetos, tais como (v) duração das disfluências (pelo menos entre 6 a 12 meses), (vi) tipo de disfluências, (vii) frequência das mesmas, (viii) presença de comportamentos associados e de fuga nem da existência de (ix) comorbilidades (ex.: Perturbação da Linguagem e/ou Perturbação dos Sons da Fala). O (x) temperamento e a personalidade do indivíduo em questão, assim como o (xi) a pressão ou exigência presente nos contextos em que se encontra inserido exercem um papel importante no aparecimento e na forma como se expressa a gaguez, nas diferentes fases da vida da pessoa. 

Importa assim salientar que a terapia pode minimizar o impacto da manifestação da gaguez, no entanto, a atuação do terapeuta da fala e/ou do psicólogo, não será determinante para a sua cura, visto que se trata de uma perturbação do neurodesenvolvimento, que implica por si só, a ocorrência de disfluências, de pensamentos e sentimentos negativos associados, flutuantes. Por se tratar de uma condição variável e involuntária, é fundamental que os profissionais, familiares e amigos, ajudem as pessoas com gaguez a criarem pensamentos positivos em relação à forma como falam, realçando que é mais uma característica que possuem e que independentemente desta, devem lutar pelos seus sonhos, tal como outras pessoas com gaguez que são conhecidas, a nível nacional e mundial, fazem e deverão continuar a fazer todos os dias, p.e. Joe Biden (o atual Presidente dos Estados Unidos da América), Samuel L. Jackson (ator) e Joacine Katar Moreira (Historiadora e Política). 

Para que a comunicação seja eficaz e eficiente, além de ser importante que a pessoa com gaguez utilize as estratégias apreendidas na terapia, o ambiente em que se insere, deve ser facilitador e os seus parceiros comunicativos poderão adotar algumas estratégias, tais como:  

 

1) FALAR DE FORMA CALMA E PAUSADAMENTE, SEM PRESSA 

Esta estratégia não é usada apenas quando o discurso das pessoas ao redor da pessoa que gagueja é rápido demais. Existem alguns indivíduos que gaguejam mais quando estão a falar sob alguma pressão temporal. Assim, quando as pessoas presentes no seu ambiente falam mais devagar, tendem a diminuir também a velocidade do seu próprio discurso, uma vez que sentem menos pressão temporal. Deste modo, conseguem ganhar mais tempo para processar o que querem dizer. 

2) NÃO TERMINAR, COMPLETAR OU ADIVINHAR AS PALAVRAS QUE ESTÃO A DIZER

Ao completar as frases ou adivinhar as palavras que a pessoa que gagueja quer dizer, é dado um reforço negativo para a sua comunicação. Deste modo, poderá sentir que está a ser apressada, o que, mais uma vez, aumenta a pressão temporal – é importante dar o tempo que precisa, para que a mesma sinta que pode falar e ser ouvida. 

3) SUAVIZAR A TROCA DE TURNOS  

Para pessoas que gaguejam, a competição pelo “tempo de antena” pode ser a causa de um discurso mais disfluente. Para elucidar, salienta-se que quando estão diversas pessoas a falar ao mesmo tempo, a pessoa com gaguez pode sentir a necessidade de ser rápida para expressar o que quer dizer. Perante isso, deve ser dado um modelo facilitador, esperando alguns segundos após a pessoa acabar de falar, antes de tomar a sua vez.  

4) COLOCAR MENOS QUESTÕES 

O facto de se serem colocadas questões de forma rápida, uma atrás da outra, pode aumentar a pressão temporal, uma vez que as crianças, os adolescentes e/ou adultos podem não ter a oportunidade de processar cada questão e pensar numa resposta adequada a cada uma delas. Em vez de colocar questões, deverá optar por fazer comentários sobre o que o indivíduo em questão está a dizer e, deste modo, mostram que o estão a ouvir, oferecendo reforço positivo para a sua comunicação. 

5) ADOTAR UMA EXPRESSÃO FACIAL E POSTURA CORPORAL TRANQUILA 

Salienta-se que é importante utilizar uma expressão facial e uma postura corporal que demonstrem calma, de forma a expressar que, em primeiro lugar estão a ouvir a pessoa com atenção, e em segundo lugar que o interesse está no conteúdo e não na forma como a mesma fala. 

Além disso, com crianças que gaguejam, podem ser criados “Momentos especiais em família”: 

6) CRIAR UM MOMENTO ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO 

Destaca-se que é fundamental proporcionar alguns momentos do dia para dar atenção à criança, sem outras distrações como por exemplo telemóvel, televisão, playstation, ou outro aparelho eletrónico. Nestes momentos deve ser utilizada uma fala suave e com pausas, para dar o modelo correto e desenvolver uma baixa pressão temporal (“fala da tartaruga”). Poderá também ser dado feedback positivo e elogiar competências não só relacionadas com a fala, mas também com outros aspetos. Por exemplo, o facto de a criança desenhar bem, ser organizada, esperar pela sua vez, etc. 

 

Bibliografia

​​3ASHA. (2023). Stuttering. Obtido de American Speech-Language-Hearing Association: https://www.asha.org/public/speech/disorders/stuttering/#about 

​4Denworth, L. (1 de 8 de 2021). Stuttering Stems from Problems in Brain Wiring, Not Personalities. Obtido de Scientific American: https://www.scientificamerican.com/article/stuttering-stems-from-problems-in-brain-wiring-not-personalities/ 

​2SheikhBahaei, S., & Maguire, G. (7 de 9 de 2020). Scientist, society, and stutterring. International Journal of Clinical Practice, 1-2. doi:https://doi.org/10.1111%2Fijcp.13678 

​1Yaruss, J., & Reardon-Reeves, N. (2017). Early Childhood Stuttering Therapy: A Practical Guide. TX: Stuttering Therapy Resources, Inc. 

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Dra. Andreia Agostinho – Terapeuta da Fala
Dra. Juzidmara Pontes – Terapeuta da Fala