BRINCAR

“O brincar é a mais alta forma de pesquisa”

(Albert Einstein)

 

Quando falamos em desenvolvimento da criança é importante apontar três grandes áreas, nomeadamente: desenvolvimento cognitivo, físico e psicossocial. Apesar de se tratar de três, na prática, estão relacionados (Diamond, 2007 in Papalia et al, 2008).

Entendemos por desenvolvimento físico os acontecimentos que ocorrem a nível do crescimento tanto motor, como cerebral, e também as capacidades sensoriais e as habilidades motoras que a criança vai desenvolvendo. Segundo Papalia et al, 2008, podemos considerar no desenvolvimento cognitivo as mudanças ao nível das aptidões mentais, bem como a estabilidade das mesmas. Por fim, o desenvolvimento psicossocial engloba as aptidões da personalidade e a sua estabilização. Cada uma destas áreas, e o respetivo desenvolvimento, afetam-se entre si. 

É através do brincar que as crianças adquirem os primeiros conhecimentos sobre o mundo, sobre os outros e sobre elas mesmas, devendo o brincar fazer parte de um desenvolvimento saudável, tal como ter uma alimentação saudável, ler ou dormir uma boa noite de sono.

O desenvolvimento infantil está vinculado ao brincar, principalmente porque esta atividade apresenta-se como uma linguagem própria da criança. É através do brincar e dos diferentes tipos de brinquedos que a criança, de acordo com a idade, vai desenvolvendo o seu potencial nas áreas da socialização, linguagem, psicomotricidade e criatividade (Poleti, Nascimento, Pedro, Gomes & Luiz, 2006).

Mesmo que se considere que a brincadeira é universal, podemos dizer que cada criança apresenta as suas características específicas com as suas brincadeiras e, até mesmo com os brinquedos que utiliza para as efetuar. Algumas autoras, tais como Morais e Otta, 2003 in Hansen et al, 2007, definem a brincadeira como espaço lúdico dividido em três fases: 

  1. As experiências, os recursos, motivações, pressões e condições sociais; 
  2. Local onde está inserida e brinquedos a que tem acesso;
  3. Tempo dispendido a brincar e a religião da família.

Não existem formas corretas ou erradas para brincar, podendo estas variar conforme a disponibilidade da criança ou do dia em questão. Por vezes, as crianças preferem brincar com amigos; outras vezes, preferem brincar sozinhas. Por vezes, podem fazer muito barulho;  noutras podem ficar em silêncio. Por vezes, as brincadeiras envolvem sujar roupas e materiais;  outras podem ser brincadeiras relaxantes e calmas. As crianças precisam de tempo, espaço e liberdade para explorar os seus interesses, sendo que sempre que as crianças brincam, elas aprendem.

Assim, descrevemos alguns benefícios que o brincar proporciona:

  • Brincar desenvolve a criatividade e inteligência

Através do brincar, as crianças utilizam o jogo simbólico e são capazes de se perderem em mundos inventados. Isto permite que inventem as próprias regras do jogo ou espaço em que se encontram, aprendendo desta forma a seguir ou adaptar essas regras conforme o jogo avança. Desta forma, é promovida a resolução de problemas e o aumento da sua confiança, capacidades importantes para um desenvolvimento saudável (Schrader, 1990).

 

  • Brincar promove o desenvolvimento cognitivo 

Brincar é essencial para um desenvolvimento cerebral saudável, devendo ser incentivada a competência do brincar não-estruturado. Nesta forma de brincar, são as crianças as responsáveis por dirigir as brincadeiras, não sendo assim limitadas por horários ou atividades impostas por adultos. Isto traz vários benefícios a nível desenvolvimental, promovendo o desenvolvimento do córtex pré-frontal, zona importante para a aprendizagem, resolução de problemas e conhecimento sobre o meio envolvente (Punkoney, 2020).

 

  • Brincar envolve benefícios comportamentais e emocionais 

Brincar é mais do que uma distração, já que ajuda as crianças a reduzir a ansiedade, stress e irritabilidade, sendo uma ótima forma de aprenderem a lidar com as experiências apresentadas ao longo do seu crescimento. Desta forma, irão aprender a trabalhar em grupo, a partilhar, a negociar, a resolver conflitos e a falar sobre os seus problemas (Berttuci, 2018).

  • Brincar promove a alfabetização

Desde os primeiros tempos, os bebés constroem a base da linguagem e das capacidades académicas através do brincar e da interação com o adulto, quando estes descrevem o que estão a ver, ouvir e a fazer. Ao brincar, as crianças aprendem a comunicar, ainda mesmo antes de falarem, através da partilha de brinquedos, construção de histórias ou através de canções e poemas (Pellegrini & Holmes, 2006).

A partir da entrada na escola, o brincar continua a ser uma ferramenta essencial, existindo diversos estudos que comprovam um aumento do tempo de atenção após pausas que envolvam brincadeiras não-estruturadas.

  • Brincar promove a independência

As crianças passam a maior parte dos seus dias em atividades estruturadas, onde estão constantemente a ouvir o que têm de fazer, quando e onde. O brincar é uma ótima oportunidade para as mesmas construírem as regras e serem a pessoa com o poder de decidir o que irá suceder a seguir, existindo uma inversão de posições de poder entre a criança e o adulto.

Brincar de forma independente também permite à criança desenvolver um maior sentido de independência, oferecendo oportunidades para ser capaz de lidar com problemas de forma autónoma e também para explorar a sua criatividade, de forma a encontrar atividades estimulantes para quando se encontra aborrecida (Yogman et. al, 2018).

  • Brincar promove as skills motoras

É através do movimento que as crianças aprendem a utilizar todas as funcionalidades do corpo humano e de todo o ambiente envolvente. O jogo ativo apresenta vários benefícios, desenvolvendo desta forma várias capacidades psicomotoras, como o equilíbrio, a noção do espaço envolvente e também a noção e controlo do seu próprio corpo (Gümüşdağ, 2019).

Em suma, as competências que o brincar pode proporcionar, segundo Passerino (1998), são:

  • memória (visual, auditiva, cinestésica); 
  • orientação temporal e espacial (em duas e três dimensões); 
  • coordenação motora visuomanual (ampla e fina); 
  • perceção auditiva e visual (tamanho, cor, detalhes, forma, posição, lateralidade, complementação); 
  • raciocínio lógico-matemático; 
  • expressão linguística (oral e escrita); 
  • programação e organização.

Vivemos numa era digital, em que as ferramentas tecnológicas estão presentes em variadas áreas da vida: trabalho, lazer, saúde, etc. Esta realidade também já faz parte da primeira infância. A tecnologia tem benefícios e pode ser uma grande ferramenta pedagógica, mas é necessário questionar o seu uso excessivo por crianças, dentro e fora da escola. (Jordana BalduinoAlexandre Doia,2019).

Existem quatro fatores necessários para alcançar o desenvolvimento infantil saudável: movimento, toque, conexão humana e exposição à natureza.

DESENVOLVIMENTO INSUSTENTÁVEL

Estes tipos de entradas sensoriais garantem o desenvolvimento normal da postura, coordenação bilateral, estados de excitação ideais e autorregulação necessária para alcançar as habilidades básicas para uma eventual entrada na escola. As crianças pequenas precisam de 2 a 3 horas por dia de atividades que privilegiam a estimulação sensorial adequada ao seu sistema vestibular, propriocetivo e tátil. A estimulação tátil recebida por meio de toque, abraços e brincadeiras é fundamental para o desenvolvimento da praxia, ou padrões de movimento programado. O toque também ativa o sistema parassimpático, diminuindo o cortisol, a adrenalina e a ansiedade (Rowan, 2013).

Uma análise mais aprofundada do impacto da tecnologia na criança em desenvolvimento indica que, enquanto o sistema vestibular, propriocetivo, tátil e de vinculação estão sob estimulação, os sistemas sensoriais visuais e auditivos estão em “sobrecarga”.

 

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Esse desequilíbrio sensorial cria problemas no desenvolvimento neurológico, pois a anatomia, química e as vias cerebrais ficam permanentemente alterados e prejudicados. As crianças pequenas que são expostas à violência por meio da TV e dos vídeojogos estão em alto estado de adrenalina e stress, pois o corpo não sabe que o que está a assistir não é real. As crianças que usam a tecnologia em excesso relatam sensações corporais persistentes de “tremor”, aumento da respiração e da frequência cardíaca e um estado geral de “mal-estar”. Isto pode ser descrito de melhor forma como um sistema sensorial hipervigilante persistente, “em alerta” para o ataque que se aproxima. Embora os efeitos a longo prazo desse estado de stress crónico na criança em desenvolvimento sejam desconhecidos, sabemos que o stress crónico em adultos resulta  num sistema imunológico enfraquecido e numa variedade de doenças e alterações graves (Rowan, 2013).

Desta forma, na tabela 1, reunimos as faixas etárias, as etapas do brincar e algumas sugestões de atividades para as respetivas idades, a fim de sensibilizar e promover a brincadeira sem tecnologia:

Faixa Etária

Etapas do brincar

Proposta de atividade

Do nascimento aos 6 meses A criança começa logo a brincar quando ainda está no útero, uma vez que utiliza o cordão umbilical para o fazer. Nesta idade os bebés são bastante observadores e, por isso interagem com os adultos que falam com eles (Ferland, 2006). Nesta idade as crianças poderão utilizar brinquedos próprios para a idade, como por exemplo os brinquedos com música.
Dos 6 aos 12 meses Mostram muito interesse pelos objetos que os rodeiam, tendo especial interesse por aqueles que conseguem agarrar facilmente. Nesta idade as crianças poderão utilizar os legos para colocarem em cima uns dos outros, brinquedos com música ou até mesmo utilizar coisas que tenham em casa para eles próprios fazerem a sua música.
De 1 aos 2 anos Nesta fase surge o interesse no movimento dos objetos (Ferland, 2006). Para esta idade podemos sugerir como brincadeira a utilização de plasticina; brinquedos de encaixe simples e brincadeiras exteriores (Ferland, 2006).

Dos 2 aos 3 anos

É nesta fase que desperta o interesse de brincar com outras crianças; gostam de brincadeiras que sujam, de imitação e de faz de conta. (Ferland, 2006). 

Desperta, nesta fase, interesse pelos livros que apresentam imagens e ainda por palavras, apercebendo- se assim que faz parte de uma população que usa as mesmas para se expressar (Ferland, 2006).

Bonecas e/ou os brinquedos preferidos das crianças nas atividades do dia-a-dia; continuar as atividades com música; colocar as crianças a desenhar.

Dos 3 aos 4 anos

Nesta idade começa a mostrar interesse por brincadeiras que se façam no exterior da sua casa e/ou da sua escola. (Ferland, 2006). 

Também é nesta idade que tem curiosidade com tudo aquilo que a rodeia, como por exemplo: os insetos, as pedras, as conchas, as folhas, etc. e, ainda nesta idade surgem os amigos imaginários (Ferland, 2006). 

Surgem as diferenças ao nível de interesse entre meninas e meninos e é capaz de entender que tem de esperar pela sua vez (Ferland, 2006).

Nestas crianças podemos optar por jogos de pontaria, brincadeiras com fantoches, jogos de construção, pinturas com mais materiais, entregar às crianças livros de histórias, bolas de sabão, casa de bonecas, vários disfarces para as crianças darem azos à imaginação, escorregas, baloiços, etc.

Dos 4 aos 5 anos

Nesta idade as crianças gostam de interagir umas com as outras e fazer atividades que sejam do interesse de todos (Ferland, 2006).

Jogos de pontaria, de construção, brinquedos que os façam pensar em profissões como por exemplo, o estojo de médico (Ferland,2006).

Outras sugestões: percursos psicomotores, “eu vejo”.

Dos 5 aos 6 anos

Começam a surgir os amigos, que se tornam bastante importantes para as crianças e, é com estes que inventam histórias, fazem jogos de equipas, etc.

(Ferland, 2006).

É nestas idades, em que são mais velhos, que têm total interesse em fazer trabalhos manuais que possam dar aos seus cuidadores (Ferland, 2006).

Como já se tratam de crianças um pouco mais velhas, podemos optar por brincar com cartolinas e outros materiais de escritório para fazer diversos trabalhos manuais.

Segundo Ferland, 2006, é nesta fase que começam a surgir os interesses pelos jogos de tabuleiro.

Outras sugestões: “macaquinho do chinês”, jogo da macaca, mímica.

Tabela 1: etapas do brincar e propostas de atividades por faixa etária.

Por último, partilhamos as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para crianças com idade inferior a um ano até quatro anos:

 Crianças com menos de 1 ano devem:

– ser fisicamente ativas várias vezes ao dia, maioritariamente através de brincadeiras no chão – quanto mais, melhor. Para as crianças que ainda não andam, é recomendado a permanência na posição de decúbito ventral (barriga para baixo) em pelo menos 30 minutos ao longo do dia;

– não ficarem comedidas ao mesmo espaço por mais de uma hora (e.g. carrinhos, cadeiras altas ou nas costas do cuidador). Nestas idades, não é recomendável existir tempo de ecrã. Se sedentária, é recomendado o envolvimento em leituras e histórias com o cuidador.

Ter 14 a 17 horas (0-3 meses de idade) ou 12-16 horas (4-11 meses de idade) de sono de qualidade, incluindo sestas.

Crianças entre 1 a 2 anos devem:

– permanecer pelo menos 180 minutos em diversos tipos de atividade física, de diferentes intensidades, ao longo do dia, sendo recomendadas atividades de intensidade moderada a alta: 

– não ficarem comedidas ao mesmo espaço por mais de uma hora (e.g. carrinhos, cadeiras altas ou nas costas do cuidador) ou sentadas por períodos longos de tempo. Para as crianças de 1 ano, tempo de ecrã sedentário (ver televisão ou vídeos, jogar no computador) não é recomendado. Para crianças com 2 anos, o tempo de ecrã sedentário não deverá ser superior a 1 hora, quanto menos, melhor.

Ter 11-14 horas de sono de boa qualidade, incluindo sestas, com horas de deitar e acordar regulares.

Crianças entre 3 a 4 anos devem:

– permanecer pelo menos 180 minutos em diversos tipos de atividade física de qualquer intensidade, com pelo menos 60 minutos de atividades de intensidade moderada a alta ao longo do dia.

– não ficarem comedidas ao mesmo espaço por mais de uma hora de cada vez ou sentadas por períodos longos de tempo. Para crianças com 3-4 anos, o tempo de ecrã sedentário não deverá ser superior a 1 hora, quanto menos, melhor. 

Ter 10-13 horas de sono de boa qualidade, podendo incluir uma sesta, com horas de deitar e acordar regulares.

Dr. André Silva – Psicomotricista

Drª. Daniela Espadinha – Terapeuta da Fala

Liliana Ramos – Aluna Estagiária em Terapia da Fala

Referências bibliográficas

  1. Bergland, C. (2013). Childhood Creativity Leads to Innovation in Adulthood. Psychology Today.
  2. Berttucci, A. (2018). Name It To Tame It! How To Help Your Child Manage Their Big Emotions. Cedar Tree Counseling, Ltd.
  3. Ferland, F. (2006). O desenvolvimento da criança no dia-a-dia. Do berço até à escola primária (1st ed.). Lisboa: CLIMEPSI EDITORES
  4. Fernandes, H. (2019). Desenvolvimento da Criança [unidade curricular do curso de licenciatura em Terapia da Fala]. Setúbal, Portugal: Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal 
  5. Gümüşdağ, H. (2019). Effects of pre-school play on motor development in children. Universal Journal of Educational Research, 7(2), 580-587.
  6. Papalia, D. E., Olds, S. W., & Feldman, R. D. (2008). O mundo da criança – da infância à adolescência (11th ed.). México: McGraw-Hill Companies, Inc.
  7. Pellegrini, A. D., & Holmes, R. M. (2006). The Role of Recess in Primary School. In D. G. Singer, R. M. Golinkoff, & K. Hirsh-Pasek (Eds.), Play = learning: How play motivates and enhances children’s cognitive and social-emotional growth (p. 36–53). Oxford University Press.
  8. Punkoney, S. M. (2020, September 11). Play Impacts Early Brain Development – Stay at Home Educator. Stay At Home Educator.
  9. Rowan, C. (2013). The Impact of Technology on the Developing Child. 
  10. Schrader, C. T. (1990). Symbolic play as a curricular tool for early literacy development. Early Childhood Research Quarterly, 5(1), 79–103.
  11. Yogman, M., Garner, A., Hutchinson, J., Hirsh-Pasek, K., Golinkoff, R. M., Baum, R., … & COMMITTEE ON PSYCHOSOCIAL ASPECTS OF CHILD AND FAMILY HEALTH. (2018). The power of play: A pediatric role in enhancing development in young children. Pediatrics, 142(3).

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