Musicoterapia e autismo

O meu filho é autista. Porque devo procurar o acompanhamento em Musicoterapia?

A perturbação do espetro do autismo (PEA) é uma síndrome neuro-comportamental com origem em perturbações do sistema nervoso central que afeta o normal desenvolvimento da criança. Os sinais e sintomas incluem os domínios social, comportamental e comunicacional, nomeadamente problemas na comunicação verbal e não-verbal, dificuldade na partilha de emoções, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, sensibilidade sensorial, entre outros. A expressão clínica das PEA varia bastante, não só de pessoa para pessoa, mas também em cada indivíduo ao longo do ciclo de vida e, embora os sinais e sintomas possam ocorrer nos primeiros tês anos de vida, é relativamente frequente não haver um diagnóstico até mais tarde pois alguns sintomas demoram a manifestar-se1. As comorbilidades (condições associadas ao autismo ou doenças) também influenciam o comportamento do indivíduo com PEA1.

Sabemos que os autistas apresentam alterações neurológicas ao nível anatómico, fisiológico e químico que são responsáveis por défices cognitivos, comunicacionais, sensoriomotores e socioemocionais. O principal défice das crianças com autismo é a falta de atenção conjunta2.

Estudos recentes na área da neurologia demonstraram que a música altera a atividade cerebral, sendo que a musicoterapia tem efeito direto nas regiões pré-frontal, motora e temporal, relevantes para funções cognitivas, socioemocionais e motoras3.

O processamento auditivo-musical no autismo é, em muitos aspetos, similar ao processamento auditivo-musical em neurotípicos. Quer isto dizer que, embora as pessoas com PEA tenham dificuldades em processar diversos estímulos sensoriais ao mesmo tempo, o que lhes dificulta a compreensão do mundo à sua volta, no que diz respeito à música, este processamento parece estar relativamente intacto. Diversas evidências apontam ainda para um funcionamento auditivo musical diferenciado no autismo, havendo várias pessoas dentro do espectro do autismo que são altamente funcionais com grandes capacidades musicais2, 4.

Musicoterapia é o uso profissional da música e dos seus elementos como intervenção em contextos médicos, educativos e sociais, em indivíduos, grupos, famílias ou comunidades, que procuram melhorar a sua qualidade de vida e o seu bem-estar físico, social, comunicativo, emocional, intelectual e espiritual5.

Uma vez que o som e a música têm efeitos vários sobre a pessoa e o meio que o rodeia, um programa de musicoterapia será benéfico para as crianças com PEA na medida em que pode potenciar intervenções ao nível da ativação multissensorial, motricidade, movimento, perceção, memória, pensamento, linguagem, comunicação, estruturação intelectual, vivência e expressão de emoções, competências relacionais e vínculo afetivo2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20.

“Agir” é importante para o desenvolvimento e “Brincar” integra a expressão e a aprendizagem. O papel do musicoterapeuta é transformar a atividade musical numa experiência onde a criança pode explorar, sem juízos de valor e com margem para erro, descobrindo a sua individualidade e um dando um significado às ações e padrões de comportamento existentes, que poderão ser posteriormente modelados.

A música é assim utilizada num contexto de modificação de comportamentos, servindo como estímulo positivo e reforço na implementação e manutenção dos comportamentos desejados, no treino de competências cognitivas e interpessoais. Adicionalmente, a musicoterapia poderá servir como vínculo afetivo, espaço de criação e fomento de ações contidas e estruturadas. Atividade e interação musical podem ser utilizadas para trabalhar problemas sem julgamentos pré-concebidos ou avaliações de desempenho, aceitando as diferenças e valorizando a originalidade.

A intervenção musicoterapêutica na PEA é planeada de acordo com as principais necessidades da criança, sejam elas comunicacionais, comportamentais ou socioemocionais, não descurando os seus pontos fortes. Os principais objetivos poderão ser o desenvolvimento da noção de esquema corporal, promoção da integração sensorial, diminuição dos comportamentos repetitivos, promoção de competências comunicacionais (linguagem verbal e não-verbal), desenvolvimento da capacidade de atenção, concentração e organização de tarefas, aprendizagem, interação social, desenvolvimento da expressão emocional e aquisição de mecanismos de defesa 7, 8, 14, 16, 21.

As técnicas musicoterapêuticas utilizadas incluem a improvisação musical/vocal, jogos de espelho, diálogos musicais (“pergunta-resposta” rítmica, melódica ou combinada), acompanhamento musical, movimento e expressão corporal através de percussão corporal, dança livre ou estruturada, uso de canções para apresentação de informação não musical (regras sociais, conteúdos escolares) e escuta musical 2, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26.

 

Referências

1 Davidovitch, M., Levit-Binnun, N., Golan, D., & Manning-Courtney, P. (2015). Late diagnosis of autism spectrum disorder after initial negative assessment by a multidisciplinary team. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics36(4), 227-234.

2 Gattino, G.S. (2015). Musicoterapia e autismo: teoria e prática. São Paulo: Memnon.

3 Haslbeck, F. B., Jakab, A., Held, U., Bassler, D., Bucher, H. U., & Hagmann, C. (2020). Creative music therapy to promote brain function and brain structure in preterm infants: A randomized controlled pilot study. NeuroImage. Clinical, 25, 102171.

4 Thaut, M.H. (2005). Rhythm, Music, and the Brain: Scientific Foundations and Clinical Applications (Studies on New Music Research). London: Taylor and Francis Group.

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6 Alvin, J. (1978). Music therapy for the autistic child. Oxford: Oxford University Press.

7 Bharathi, G., Venugopal, A., & Vellingiri, B. (2019). Music therapy as a therapeutic tool in improving the social skills of autistic children. Egypt J Neurol Psychiatry Neurosurg (55), 44.

8 Geretsegger, M., Elefant,  C., Mössler,  K.A., & Gold,  C. (2014) Music therapy for people with autism spectrum disorder. Cochrane Database of Systematic Reviews, 6(CD004381) doi: 10.1002/14651858.CD004381.pub3

9 Ghasemtabar, S. N., Hosseini, M., Fayyez, I., Arab, S., Naghashian, H., & Poudineh, Z. (2015). Music therapy: An effective approach in improving social skills of children with autism. Advanced Biomedical Research, 4(1), 157-165.

10 Gold, C., Wigram, T., & Elefant, C. (2006). Music therapy for autism spectrum disorder. Cochrane Database of Systematic Reviews, (2). https://doi.org/10.1002/14651858.CD004381.pub2

11 Kim, J., Wigram, T., & Gold, C. (2009). Emotional, motivational and interpersonal responsiveness of children with autism in improvisational music therapy. Autism: The International Journal of Research & Practice, 13(4), 389- 409.

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15 Nordoff, P., & Robbins, C. (2007). Creative Music Therapy. Illinois: Barcelona Publishers.

16 Sharda, M., Tuerk, C., Chowdhury, R., Jamey, K., Foster, N., Custo-Blanch, M., Tan, M., Nadig, A., & Hyde, K. (2018). Music improves social communication and auditory-motor connectivity in children with autism. Translational psychiatry, 8(1), 231. https://doi.org/10.1038/s41398-018-0287-3

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18 Vaiouli, P., Grimmett, K., & Ruich, L.J. (2015). “Bill is now singing”: Joint engagement and the emergence of social communication of three young children with autism. Autism, 19(1), 73-83.

19 Warwick, A., & Alvin, J. (1991). Music therapy for the autistic child (2nd ed.). New York, NY: Oxford University Press

20 Wigram, T. (2004). Improvisation: Methods and techniques for music therapy clinicians, educators and students. Philadelphia, PA: Jessica Kingsley Publishers.

21 McLahlan, J. (10 March 2016). Music Therapy and Autism. Retrieved from <https://network.autism.org.uk/good-practice/case-studies/music-therapy-and-autism>.

22 Banks, S. (1982). Orff-Schulwerk teaches musical responsiveness. Music Educators Journal, 68(7), 42-43.

23 Bieleninik, L., Geretsegger, M., Mossler, K., Assmus, J., Thompson, G., Gattino, G., Elefant, C., Gottfried, T., Igliozzi, R., Muratori, F., Suvini, F., Kim, J., Crawford, M., Odell-Miller, H., Oldfield, A., Casey, O., Finneman, J., Carpente, J., Park, A., Grossi, E., & Gold, C. (2017). Effects of improvisational music therapy vs enhanced standard care on symptom severity among children with autism spectrum disorder. Journal of the American Medical Association, 318(6), 525-535.

24 Bruscia, K. (1987). Improvisational modes of music therapy. Springfield, IL: Charles C. Thomas

25 Geretsegger, M., Holck, U., Carpente. J.A., Elefant, C., & Kim, J. (2015). Common characteristics of improvisational approaches in music therapy for children with autism spectrum disorder: Developing treatment guidelines. Journal of Music Therapy, 52(2), 258–281.

26 Schumacher, K. (2013). The importance of Orff-Schulwerk for musical social-integrative pedagogy and music therapy. Approaches: An Interdisciplinary Journal of Music Therapy, 5(2), 113-118. Retrieved from http://approaches.gr/special-issue-5-2-2013

 

 
Dra. Paula Rosado – Musicoterapeuta