A PARALISIA CEREBRAL NÃO TEM DE SER UM BICHO-DE-SETE-CABEÇAS

paralisia cerebral

MAS AFINAL O QUE É A PARALISIA CEREBRAL?

 

Sim, há diferentes tipos. Mas quão diferentes serão?

As pessoas com paralisia cerebral conseguem ser funcionais no seu dia-a-dia?

Será que conseguem comer sozinhos?

Poderão realmente brincar e relacionar-se com outros?

 

A Paralisia Cerebral suscitou grandes dúvidas e pontos de interrogação quando terminei a minha licenciatura em Terapia da Fala. Adorei o meu curso e a minha formação, mas o mundo da Terapia da Fala é tão grande que a aprendizagem é e será uma constante ao longo da minha vida.

Até que a paralisia cerebral se cruzou no meu caminho e algumas destas questões foram obtendo respostas e gerando novas ideias e expectativas.

O primeiro impacto foi quando conheci a Carlota.

Na altura ela tinha 4 anos e já conseguia andar pelo próprio pé com a ajuda da mãe. Sempre sorridente e com uma vontade enorme de aprender, a Carlota é uma trabalhadora. Trabalha mais do que muitos adultos. Desde a Terapia da Fala, à Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Terapia assistida com animais e ainda a escola, a Carlota tem os seus dias ocupados, desde a manhã até à noite. E este trabalho e empenho de toda a equipa e principalmente da Carlota reflete-se nas suas aquisições. É uma menina que tem competências linguísticas acima da média para a sua idade, anda sozinha, brinca no recreio com os amigos, come sozinha e é capaz de ter uma conversa, com frases cheias de sentido de humor, apesar da lentidão natural do seu discurso.

Depois conheci a Carolina.

Mais pequenina, mas já com uma personalidade muito forte. Já era capaz de comer muito bem até os alimentos mais duros de roer. Mastiga e engole sem dificuldade. No nosso primeiro contacto dizia poucas palavras e a frase de eleição era “Não quero”. Trabalhar com a Carolina foi e continua a ser um grande desafio. Um desafio muito bom e gratificante. O trabalho em conjunto com a educadora e assistentes operacionais tem sido espetacular e passados poucos meses a Carolina começou a fazer frases e a conseguir ter conversas sobre o seu dia-dia. Sabe o nome de todos os colegas da turma e é capaz de escolher e verbalizar onde e como quer brincar. Ainda não anda sozinha, mas para lá caminha. Mais uma quebra no estereótipo do que era para mim a paralisia cerebral.

Todos os meus preconceitos, já quase mortos, sobre esta patologia foram enterradas quando finalmente conheci o Vítor.

Um menino de oito anos que frequentava o 3º ano. O Vítor corria pela escola, apesar do seu jeito desengonçado, e jogava à bola sempre que lhe apetecia. Outras vezes preferia estar sentado à porta da minha sala a ler livros. Percebia bem quando lhe explicava que era fundamental praticar. Treinávamos juntos a leitura e a escrita, que era capaz de realizar pela própria mão. Era um dos melhores alunos da turma. Mostrou-me que uma criança com paralisia cerebral pode ser o que quiser e que nós devemos ajudá-la a crescer e deixá-la escolher e tomar decisões.

A paralisia cerebral é uma perturbação neurológica de carácter permanente e não progressivo, que pode resultar de uma lesão ou disfunção do sistema nervoso central. Esta lesão interfere com o desenvolvimento motor da criança, comprometendo:

  • a sua forma de andar,
  • a sua postura,
  • movimento,
  • uso das mãos,
  • a sua forma de pensar e falar, 
  • e o controlo da respiração com a fala.

O Terapeuta da Fala pode ajudar quanto à alimentação e à postura e movimentos dos músculos da face, nomeadamente ao nível da mastigação e da deglutição, e também quanto à comunicação, linguagem e fala, para que sejam pessoas ativas e com poder de escolha.

O TRABALHO MULTIDISCIPLINAR É FUNDAMENTAL DESDE CEDO. TERAPEUTAS DA FALA, FISIOTERAPEUTAS, TERAPEUTAS OCUPACIONAIS, PSICOMOTRICISTAS, PEDIATRAS, SÃO PROFISSIONAIS QUE LUTAM PELA AUTONOMIA DESTAS CRIANÇAS. A ESCOLA TEM TAMBÉM UM PAPEL PREPONDERANTE. MAS OS VERDADEIROS LUTADORES SÃO SEM DÚVIDA OS PAIS DESTAS CRIANÇAS.

Pais que ouvem as maiores barbaridades sobre o futuro dos filhos e que ainda assim não desistem e acreditam. Acreditam e procuram quem acredita. E esse deve ser também o nosso papel enquanto profissionais de saúde… Não sermos preconceituosos, não aceitarmos tudo o que vem nos livros ou o que a maioria diz, mas sim acreditar e insistir, porque com toda a certeza seremos muito surpreendidos.

DRA. SILVIA HITOS – TERAPEUTA DA FALA