O GRANDE LIVRO DA HISTÓRIA DE UMA PESSOA

Uma anamnese pode ser definida como um enquadramento preliminar de um paciente médico ou psiquiátrico. Através deste processo, pretende-se a recolha de informações por meio do relato do paciente (ou dos seus cuidadores) sobre o seu desenvolvimento e a sua história familiar e médica antes do despoletar de uma perturbação mental ou física.

 

FAZER UMA ANAMNESE É COMO ABRIR O GRANDE LIVRO DA HISTÓRIA DE UMA PESSOA

Era uma vez, num reino distante, um livro que guardava os segredos mais profundos e as histórias mais encantadoras. O abrir das suas páginas revelava um universo desconhecido, onde personagens singulares e tramas envolventes ganhavam vida. Da mesma forma, ao iniciar uma intervenção terapêutica, a anamnese emerge como a abertura de um grande e precioso livro, onde a história pessoal de cada indivíduo se desenrola, trazendo à tona enigmas e caminhos por desvendar. 

Assim como o leitor curioso se perde nas páginas de um livro, o terapeuta inicia a sua jornada ao mergulhar nas palavras do interlocutor. A anamnese é o ponto de partida essencial, é um prólogo necessário para compreender a história única que cada pessoa carrega consigo. É através desse encontro com a narrativa interior que o terapeuta começa a estabelecer uma relação verdadeira, capaz de guiar todo o processo terapêutico. Para tal, alguns técnicos fazem uso de entrevistas estruturadas. Seguir um guião ajuda a não perder nenhum detalhe importante do enredo. Por outro lado, outros terapeutas fazem uma entrevista tão pouco inquisidora que mais se parece com uma conversa, em que os temas se vão puxando uns aos outros, saltitando livremente no cordel da história e do tempo da pessoa que é a razão de estarmos todos ali. 

 

OS TERAPEUTAS NÃO TRABALHAM COM DOENÇAS NEM COM ALTERAÇÕES NEM COM DIFICULDADES: TRABALHAM COM PESSOAS

Na Terapia da Fala, por exemplo, é impossível olhar para esta língua que não faz os sons que se esperavam sem saber como ouvem os ouvidos que pertencem a esta língua, como come e dorme esta língua, como escreve esta língua. E como eram os pais desta língua? Tem irmãos? Nas outras especialidades não é diferente.

Na Psicologia, por exemplo, é imprescindível desvendar o que é que narra determinado comportamento – de onde vem?, Para onde vai?, Com quem?, Porquê? Como podemos nós entrar no mundo de quem nós precisa, se a porta estiver apenas entreaberta?  

Os terapeutas precisam de conhecer as pessoas com quem trabalham. De conhecer a sua história. De relacionar os dados para desvendar o tal enigma. De perceber as dinâmicas de cada família, que tanto influenciam o decurso da intervenção. De usar as forças de cada um a seu favor. Daí precisarem deste momento, no início da intervenção, de paragem, de entrevista ou de conversa, para entrar na história da família. 

Há famílias que vão deixando pistas aqui e ali, qual Hansel e Gretel a tracejar veladamente o caminho, talvez ainda inseguras por sermos desconhecidos. Outras famílias deixam-se aproximar, num acto de coragem e como voto de confiança, muitas vezes não só respondendo às nossas questões como, a certa altura, elas próprias se deixando enredar no que contam e começando, verdadeiros protagonistas, a analisar a própria história. É quando as famílias entram definitivamente em parceria com os técnicos que a relação se torna terapêutica. E, por vezes, isso começa na anamnese. 

 

    DRA. ANA ATHAYDE CAMPOS – TERAPEUTA DA FALA
    DR. AFONSO MARTINS – PSICÓLOGO CLÍNICO