Intervenção Psicomotora em tempos de Pandemia: Videoconsultas!

Hoje iremos falar de uma temática que muitos de nós, psicomotricistas, nunca pensaram vir ser falada. Contudo, em tempos de pandemia, urge que seja abordada não só entre colegas da área como também com os pais, com as crianças e com os profissionais de outras áreas. De que forma é que a Intervenção Psicomotora, que prioriza o corpo, o toque, a relação e o movimento, poderá manter-se em tempos de confinamento sem sessões presenciais? É possível? Como? O que vamos trabalhar, desenvolver e estimular nas crianças, se nos foi impossibilitado o contacto que é a nossa base de intervenção? Na verdade, considero que estas são apenas uma parte da infinidade de questões que passaram pela cabeça de todos nós.

Importa compreender que, apesar das circunstâncias, o mundo não parou e que apenas se tratou de mais um dos muitos momentos nos quais foi permitido ao Psicomotricista fazer-se ouvir e mostrar que é um profissional versátil, resiliente e com uma grande capacidade de adaptação. Como? Através de videoconsultas de Psicomotricidade! Confesso que inicialmente considerei que fosse inexequível, mas agora que entrei neste novo mundo, vejo que é mais uma vertente repleta de descobertas, desafios, possibilidades e oportunidades.

Parece-me que a palavra “Psicomotricista”, já tão cheia de significado, ganha ainda mais forma e importância perante a dificuldade com que se deparam não só as crianças que acompanhamos, como também as suas famílias. Eventualmente, com crianças mais pequenas e/ ou com perturbações mais significativas, precisamos de um adulto cuidador, preferencialmente uma figura de referência, como mediador neste novo formato de intervenção, prevalecendo sempre o papel ativo do Psicomotricista. A intervenção, apesar de realizada numa via diferente, continua a ser primordial para o desenvolvimento das crianças que acompanhamos e é importante que os pais/cuidadores compreendam isso e que sejam nossos aliados de uma forma ainda mais consonante. Na verdade, o facto de os pais assistirem às sessões aporta diversas vantagens, nomeadamente a maior proximidade com o Psicomotricista, a perceção dos benefícios desta terapêutica e uma maior interação entre pais-filhos que, conjuntamente com a exploração do envolvimento, vai auxiliar a um maior conhecimento das competências e dificuldades da criança.

A intervenção através de videoconsultas acarreta vários desafios, como por exemplo a utilização da tecnologia pode constituir de imediato uma barreira para as famílias que não têm o seu acesso. Para as que têm, é-lhes pedido que façam inúmeras adaptações a vários níveis (e.g., ajustar os horários de teletrabalho, as exigências escolares como a telescola e as aulas virtuais, as atividades diárias) para que, no momento da videoconsulta, consigam auxiliar o filho a entrar no link, a ativar o som e o vídeo. Inicialmente pode parecer um processo complexo, mas que fará parte de uma nova rotina. De facto, é uma adaptação para todos nós, não só em termos horários e logísticos, mas também em termos de conteúdo de sessão. O Psicomotricista, que pode dar uma sessão apenas com o próprio corpo, poderá explorar novas formas de atuação como a utilização de conteúdos digitais (e.g., programas para construir jogos) e objetos do quotidiano de casa e da criança para a cativar e motivar, paralelamente ao trabalho dos objetivos constados no plano de intervenção realizado de acordo com as necessidades e capacidades da criança. Efetivamente, é um processo trabalhoso, uma vez que o planeamento de sessões despende mais tempo e implica uma forma de organização mais exigente e complexa, no qual se deve ter em consideração os materiais que estão ao alcance da criança (diferentes dos de anteriormente, uma vez que eram disponibilizados pelo Psicomotricista), como também toda a logística de conseguir ver a criança no seu todo e que ela nos veja a nós.

 

Eis alguns dos desafios:

  1. Trabalhar equilíbrio através de videoconsulta: enquanto nós psicomotricistas podemos procurar previamente um ângulo e uma posição onde devemos colocar o computador – caso a criança tenha de ver o nosso corpo todo, para a criança isto terá de ser uma exploração realizada durante a videoconsulta, dependendo também do meio que esta utiliza (i.e., computador, telemóvel ou tablet);
  2. Fazer demonstração das tarefas: em determinadas atividades e com algumas crianças, esta é uma ajuda necessária que pode surgir numa videoconsulta, tal como já aconteceria em sessões presenciais. Atualmente, estão implicados alguns ajustes associados ao tempo despendido e à qualidade de som e imagem, que se devem ter em consideração previamente à videoconsulta;
  3. Atividades de imitação: se outrora, estas atividades poderiam ser realizadas no momento e sem qualquer interferência, agora parece-me mais viável que o Psicomotricista grave previamente um vídeo com o que pretende que a criança imite (e.g., uma sequência de gestos), e que este seja mostrado durante o momento da videoconsulta para que, desta forma, não haja o delay associado às comunicações online e para que o Psicomotricista consiga, verdadeiramente, compreender se a criança realiza ou não a tarefa.

 

Para além de todos estes desafios que são apenas uma pequena parte, saliento o que considero mais difícil durante esta fase: como captar a atenção de uma criança, que tenha dificuldades quer seja por alterações de comportamento, seja por ter alguma perturbação ou por ter dificuldade em perceber como deve agir perante este novo formato de intervenção, simplesmente através da nossa voz? Estamos separados fisicamente por dois ecrãs cujo campo visual é restrito e, por vezes, a criança não entende isso, cabendo-nos a nós arranjar estratégias para que ela perceba isso mesmo e volte a manter a atenção. Uma das estratégias é combinarem, em conjunto, um sinal: “Vou bater duas palmas se não te estiver a ver, para podermos continuar os nossos jogos”.

Sabemos que cada criança é um ser único, especial e particular e que, portanto, o acompanhamento em Psicomotricidade através de videoconsulta nem sempre é viável. Nestes casos, surge, novamente, a questão: “Como podemos agir agora?”. Perante esta situação, o contacto com os cuidadores da criança deve ser mantido, quer através da disponibilização de estratégias, quer com o envio de algumas atividades que podem realizar e que depois, através da devolução do que foi feito, podemos dar o nosso parecer técnico, mencionando o que pode ser melhorado.

De facto, este novo formato de Intervenção Psicomotora é um mundo de possibilidades e oportunidades. É desafiante, mas, ao mesmo tempo, traz-nos gratidão e ajuda-nos a ter mais conhecimento, a discutir alternativas e a ter uma visão mais reflexiva e crítica sobre o papel do Psicomotricista. Deparo-me com crianças motivadas e empenhadas para continuar a realizar novas aprendizagens e com pais disponíveis e também eles a adaptarem-se e a gerirem a dinâmica familiar da melhor forma possível.

É natural sentir medo, tristeza e ansiedade… Esta incerteza em relação ao futuro leva a sentimentos que não devem ser menosprezados, mas sim normalizados. Apesar das circunstâncias, urge que as crianças continuem a ter rotinas, que o seu dia-a-dia seja estruturado e que, apesar da dificuldade, percebam que continuam a ter adultos atentos com o seu bem-estar e que lhes transmitem segurança.

Se até para nós, psicomotricistas, que somos os profissionais do improviso e da adaptação, é difícil gerir estas alterações, imaginem para as “nossas” crianças! Ainda assim, este novo formato de Intervenção Psicomotora é um mundo de desafios que se podem ir transformando em oportunidades!

 
Dra. Mafalda Caetano Alexandre – Estagiária de Mestrado em Reabilitação Psicomotora