O TERAPEUTA DA FALA EM CUIDADOS INTENSIVOS E NAS URGÊNCIAS

 

No dia 6 de março celebra-se o Dia Europeu da Terapia da Fala. Este ano o tema escolhido pela Associação Portuguesa dos Terapeutas da Fala (APTF), juntamente com a European Speech and Language Therapy Association (ESLA), foi “O Terapeuta da Fala em Cuidados Intensivos e Urgências”.  

Assim, no âmbito deste dia, preparámos um artigo informativo onde será abordado o papel deste profissional de saúde neste contexto de intervenção.

O terapeuta da fala é o profissional responsável pela(o) prevenção, avaliação, diagnóstico, intervenção e investigação das perturbações da comunicação e da deglutição, desde o nascimento até à idade geriátrica. As principais áreas de intervenção são a comunicação, linguagem (oral e escrita), fala, voz, fluência (gaguez), processamento auditivo central, motricidade orofacial e deglutição.

O terapeuta da fala presta, assim, serviço individual, a famílias e/ou a grupos de diversidade linguística e cultural. Enquanto prestador de cuidados primários nas perturbações da comunicação e deglutição, são profissionais autónomos, não sendo os seus serviços supervisionados por outro profissional.

Na Europa, o Comité Permanent de Liaison des Orthophonistes/Logopédes de l´Union Européenne (CPLOL) sub-divide em dois grandes setores os locais onde o terapeuta da fala pode desempenhar as suas funções: saúde e educação (Paixão, 2012). Desta forma, na área da saúde podem encontrar-se em hospitais, centros de saúde, centros de medicina de reabilitação, instituições de assistência médico-educacional, centros especializados para indivíduos com deficiência, lares e prática privada. A nível educacional, poderão estar em unidades de ensino especial e em escolas de ensino regular. 

Em contexto hospitalar, os terapeutas da fala estão integrados em equipas multidisciplinares nos diferentes serviços, de internamento e ambulatório (Paixão, 2012), transversal ao recém-nascido e adulto. De acordo com o motivo de internamento, os casos existentes manifestam, com maior incidência, alterações que afetam a comunicação, a deglutição, a fala e a motricidade orofacial. 

Neste sentido, a presença do terapeuta da fala na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e urgências, será essencial, intervindo de forma preventiva, precoce e/ou intensiva em situações variadas que careçam de especial foco na comunicação (impossibilidade de comunicar pela via normalmente utilizada), deglutição (impossibilidade de ingestão de alimentos via oral), fonação (dificuldades na produção de voz e na proteção das vias aéreas) e motricidade orofacial (alteração das estruturas e funções orofaciais) (Aveiro, 2021), contribuindo assim para a diminuição do tempo de hospitalização e redução dos custos associados.

Neste contexto em específico, entenda-se por comunicação humana todos os processos associados à compreensão e expressão da linguagem falada ou escrita, assim como outras formas adequadas de comunicação não-verbal (CPLOL, 2011). A comunicação é um processo ativo que implica a transmissão ou receção de informações numa determinada língua, podendo a mensagem estar relacionada com necessidades fisiológicas, desejos, sentimentos, conhecimento, entre outros. Este processo envolve compreensão e expressão, podendo ser intencional ou não, mediante a adoção de diferentes formas comunicativas verbais e/ou não verbais com e sem significado linguístico (ex.: gestos). Trata-se de um ato multimodal, uma vez que beneficia da implementação de estratégias e/ou de pistas visuais, escritas, auditivas, orais, gestuais e cinestésicas. O terapeuta da fala intervém, ajustando o modo de comunicação às necessidades, capacidades e especificidades atuais do utente, através de imagens, símbolos, palavras impressas, gestos com significado e fala (American Speech-Language-Hearing Association, n.d.; SPTF, 2020).

 

 

Ao falar de comunicação nas UCI/urgências, é possível afirmar que o terapeuta da fala contribui para a melhoria da comunicação entre os profissionais e o doente, favorecendo a adequação dos cuidados e, consequentemente, a otimização da relação terapêutica (Pina et al., 2020), através da construção e implementação de Sistemas Aumentativos e Alternativos da Comunicação (SAAC). Antes de implementar um SAAC, o terapeuta da fala deverá avaliar o utente e quando aplicável, testar ou implementar o sistema mais indicado e que facilitará efetivamente a sua comunicação com diferentes parceiros comunicativos nos diferentes contextos (ex.: médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, familiares e/ou cuidadores), reconhecendo e explicando todas as limitações que podem estar relacionadas com a sua utilização por parte da equipa multidisciplinar, aspetos estes que transcendem o utente  (ex.: formação e conhecimento que cada profissional/familiar desenvolve sobre a funcionalidade do SAAC implementado ou o facto deste apresentar vocabulário restrito) (American Speech-Language-Hearing Association, n.d.; SPTF, 2020). 

Posto isto, adotar estratégias facilitadoras que visem estimular ou potenciar as capacidades comunicativas dos utentes, não deve ser apenas uma preocupação ou função do terapeuta da fala, mas sim de todos os intervenientes durante o tempo que permanece internado na(s) UCI/urgências, visando a prestação de melhores cuidados de saúde, prezando a individualidade, autonomia e a inclusão do utente (Martinho, 2016). Desta forma, poderemos garantir a humanização dos cuidados prestados nestes serviços hospitalares.

No que respeita à deglutição, a disfagia é das principais complicações observadas no contexto de UCI. Desta forma, o terapeuta da fala é o profissional que poderá reajustar as alterações da motricidade orofacial, no que respeita à mobilidade e força muscular da face, lábios, língua e laringe, evitando futuros problemas; recuperar a alimentação por via oral, e evitar infeções respiratórias; assim como restabelecer a sucção e a mastigação, através de estratégias compensatórias de deglutição (ex.: modificação do bolo alimentar, ou seja, textura, volume e consistência) e/ou manter a postura adequada da cabeça, pescoço e corpo antes de engolir (Hongo et al., 2022). 

Alguns dos estudos científicos realizados sugerem que a intervenção do terapeuta da fala nas primeiras 24h com pacientes pós-extubação é uma estratégia favorável para a prevenção precoce ou recuperação de distúrbios de deglutição nas UCI. Outros, concluíram que o atraso no início da intervenção do terapeuta da fala pós-extubação foi associado à disfagia, à pneumonia por aspiração ou ao óbito. Em suma, com a presença do terapeuta da fala será possível prevenir e intervir precocemente, melhorando não só o prognóstico, como agilizando a alta e, fundamentalmente, diminuindo a ocorrência de complicações e melhorando a qualidade de vida do doente (Aveiro, 2021). 

Para finalizar, realçamos a importância de informar e dessensibilizar a população para a atuação do terapeuta da fala nas perturbações da comunicação e deglutição nos cuidados intensivos e urgências.

AUTORAS:

Dra. Daniela Espadinha – Terapeuta da Fala

Dra. Juzidmara Pontes – Terapeuta da Fala

Referências bibliográficas

  • American Speech-Language-Hearing Association. (n.d.). Definition of Communication. Https://Www.Asha.Org/Njc/Definition-of-Communication-and-Appropriate-Targets/.
  • Aveiro, M. (2021). TERAPIA DA FALA NOS CUIDADOS INTENSIVOS? Https://Www.Jm-Madeira.Pt/Opinioes/Ver/4641/Terapia_da_Fala_nos_cuidados_intensivosf.
  • Hongo, T., Yamamoto, R., Liu, K., Yaguchi, T., Dote, H., Saito, R., Masuyama, T., Nakatsuka, K., Watanabe, S., Kanaya, T., Yamaguchi, T., Yumoto, T., Naito, H., & Nakao, A. (2022). Association between timing of speech and language therapy initiation and outcomes among post-extubation dysphagia patients: a multicenter retrospective cohort study. Critical Care, 26(1). https://doi.org/10.1186/s13054-022-03974-6
  • Martinho, C. I. F. (2016). A Comunicação dos Doentes Mecanicamente Ventilados nas Unidades de Cuidados Intensivos.
  • Paixão, R. M. da S. (2012). Terapia da Fala no Serviço Nacional de Saúde: avaliação das necessidades de recursos humanos. https://run.unl.pt/bitstream/10362/9669/3/RUN%20-%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado%20-%20Rita%20Paix%C3%A3o.pdf
  • Pina, S., Canellas, M., Prazeres, R., Lopes, J., Marcelino, T., Reis, D., & Ferrito, C. (2020). Comunicação Alternativa e Aumentativa em Doentes Ventilados: Scoping Review. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0562
  • SPTF. (2020). Dicionário Terminológico de Terapia da Fala (Papa-Letras, Ed.; 1st ed.).

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